Alcides Fonseca

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Carta aberta aos Grupos Parlamentares sobre a Proposta de Lei da Cópia Privada

Exmos(as) Srs(as) Deputados(as),

Venho por este meio mostrar a minha posição relativa à Proposta de Lei da Cópia Privada, e que certamente é partilhada por inúmeros outros cidadãos que se encontram na mesma situação que eu. Abordarem primeiro as minhas preocupações mais gerais, e depois em particular nos casos que o mereçam.

No texto introdutório da mesma proposta referem que o surgimento de equipamentos que permitam a reprodução em massa veio por em causa os direitos de autor e a devida compensação. Gostaria de relembrar que esses mesmo equipamentos (sejam fotocopiadoras, dispostivos de armazenamento, computadores, leitores de música, etc…) são também usados para reproduzir e armazenar material cujo direito de reprodução não está protegido.

Gostaria de convidar os senhores deputados a fazer uma visita a diversas empresas e verão que o armazenamento digital é usado sobretudo para guardar bases de dados com dados de clientes, produtos, facturas, correspondência, tabelas de preços, documentos internos, etc. As fotocopiadoras usadas são usadas para cópia de documentos internos e externos à empresa que não são comercializáveis.

Ora o que a proposta de lei pretende fazer é aplicar uma taxa a todos os equipamentos de reprodução e armazenamento, independentemente do uso. Eu interpreto que estão a aplicar uma coima pelo uso indevido para cópias ilegais de obras protegidas a todos os cidadãos e entidades colectivas, independentemente se praticam o crime ou não. Considero então esta medida anti-constituicional, na medida em que todo o cidadão é inocente até julgado em contrário, e não deve ser punido por algo que não foi julgado. Certamente os Srs Deputados quererão repensar esta medida a partir da raiz.

Gostaria então de abordar alguns pontos que corroboram o quão pouco esta proposta faz sentido e se enquadra na realidade portuguesa.

1) As taxas a aplicar em materiais digitais é fixa por Gigabyte ou hora de armazenamento. Gostaria de os apontar para este gráfico [1], nomeadamente para a escala logarítmica da capacidade. Tendo em conta que a capacidade de armazenamento aumenta exponencialmente ao longo dos anos, também as taxas propostas iriam. No entanto os preços dos materiais de armazenamento tem ficado na mesma ordem de grandeza. Isto fará com que em poucos anos as taxas sejam superiores ao custo dos materiais. Este ponto apenas mostra como os autores da proposta claramente não têm noção da realidade nestes assuntos.

2) O artigo 5º determina que a compensação equitativa e autores e afins é inalienável e irrenunciável, sendo nula qualquer cláusula contratual em contrário. Este ponto não faz qualquer sentido. Eu como autor tenho o direito de transmitir os materiais da minha autoria gratuitamente. Porque me querem tirar esse direito?

Ainda pior, com a disseminação das tecnologias de gravação de obras (sejam gravadores de audio, vídeo, fotografia ou texto), qualquer pessoa é um autor. Todos os portugueses que tenham actividade na internet sobre a forma de escrita de texto, fotografia ou vídeo (e uma grande maioria o faz nas redes sociais) é um autor. Como é que são recompensados pelas suas obras, da qual não podem impedir que estas taxas sejam cobradas? Quem os representa?

3) No artigo 6º definem a isenção para estas compensações, e na alínea a) referem que estão isentas as pessoas que tenham como objecto de actividade a comunicação audiovisual ou produção de fonogramas e de videogramas, exclusivamente para as suas produções. Ora eu concordo que para as suas produções, ou produções cujos direitos lhe tenham sido oferecidos qualquer pessoa esteja isenta. E não apenas as empresas com esse objecto de actividade. Ora uma empresa de móveis terá de pagar compensações por guardar e copiar um vídeo gravado pela própria empresa sobre os próprios móveis? Esta excepção está claramente muito limitada a um grupo de pessoas mais representados pelos autores da proposta, do que a maioria das pessoas individuais e colectivas portuguesas.

Gostaria ainda de comentar que na eventual possibilidade de esta proposta ser aprovada, tanto eu como várias outras pessoas que usam armazenamento digital vamos passar a adquirir material a outros países. E com a facilidade que existe hoje em dia para adquirir material de fontes estrangeiras e do baixo custo de porte, estariam a prejudicar a economia portuguesa, ao tentar cobrar uma compensação de violação de direitos a alguém que não viola os mesmos direitos.

Para terminar gostaria que reformulassem a proposta, mesmo a partir do zero e que a baseiem na verdadeira realidade portuguesa. Não o façam castigando quem não viola a protecção de direito de autor. Se apenas estão em contacto com empresas do meio audiovisual e se estão apenas a ouvir a parte dos autores de obras comerciais, eu estou disponível, tanto para partilhar a realidade dos utilizadores de meios de armazenamento e reprodução audiovisual, como para indicar personalidades que o façam melhor que eu, e com mais credibilidade.

Agradecido pela atenção prestada, e disponível para ajudar nesta proposta,

Alcides Fonseca